terça-feira, novembro 30, 2004

Tempos Modernos

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Já fomos largos milhares a cruzar esta serras. Já dividimos o alimento com linces, raposas e mesmo ursos. Mas hoje somos poucos, poucas dezenas e só algumas matilhas. Já andamos a acasalar com a prima da prima, somos todos família, e por vezes não tão afastada assim. Não admira por isso que alguns de nós já nasçam chonés. Outro dia, numa matilha vizinha, nasceu um primo que achava que era um coelho. O pior é que desempenhou tão bem o seu papel que os irmãos acabaram por comê-lo.
Na minha matilha ainda não há esses problemas. O macho β, o que vem a seguir a mim na hierarquia, assim a modos que o vice-presidente, outro dia estava a dar-se ares de Afonso Henriques, a querer conquistar terreno, mas a minha Josefina deu-lhe cabo da saúde. Mostrou-lhe os dentes cá duma maneira, que ele não teve outro remédio senão meter o rabinho entre as pernas e ir embora. Era o que faltava, o meu lugar ninguém tira!
Mas a vida está difícil. Conta-se que em tempos, há muitos muitos anos, havia comida com abundância, coelhos a saltar por todo o lado, perdizes, esquilos, e até mesmo corças e veados. Um verdadeiro banquete.
Mas hoje já quase não há coelhos, e os que existem ou estão doentes ou cheios de chumbos. Já sobrevivo a escaravelhos e vegetais. A minha Josefina bem me diz para eu pensar que é salada de marisco, coisa fina. Mas eu não sou dado a estas modernices da nouvelle cuisine de baixas calorias. Lobo que é lobo tem de comer carne. E com pele, pelos e tudo.
Em dias santos lá se consegue uma cabra mais distraída, mas é muito arriscado. Sacanas dos cães não brincam em serviço, e os pastores já andam todos armados.
Outro dia estiveram cá uns senhores que dispararam contra a matilha toda. Só sei que quando acordámos estávamos todos com um brinco e um colar. A Josefina, que acordou antes de mim como sempre, diz que os ouviu dizer que nos vão seguir, e proteger a espécie, e mais não sei o quê. Eu só sei que isto ainda pesa, e eu bem me esfrego em tudo o que é árvore a tentar tirar. Mas a Josefina diz que até me dá um ar distinto, mais fashion... enfim, há que acompanhar os tempos.
Afinal... quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele.

segunda-feira, novembro 29, 2004

"Era uma bica e um pastel de nata, por favor."

Era uma mulher que gostava de rotinas. Prezava-as, davam-lhe uma doce ilusão de segurança. Todos os dias ia ao mesmo restaurante almoçar, todas as noites ao mesmo café. Mal entrava recebia um sorriso rasgado do empregado, que já nem perguntava, vinha apenas servir-lhe a sua bica, com um copo de água e um pastel de nata. Levava com ela um livro, lia algumas paginas, mas essencialmente sonhava acordada.
Olhava os outros clientes com uma curiosidade assanhada, como se pudesse beber deles uma vida que não tinha. O casal de namorados a beijar-se no canto, o casal de gays, as três amigas que vinham desabafar as mágoas, o ar culpado daqueles dois, que claramente tinham outras famílias em casa, mas que todas as sextas se encontravam ali antes de subirem para um quarto da pensão do lado.
Tudo o que via analisava, e o que não via imaginava. Completava a realidade de cada um com os seus próprios sonhos e assim vivia feliz.
Saía do café por volta da uma da manhã, quando ele finalmente fechava, mas não ia ainda para casa. Encostava-se na paragem do autocarro, vazia aquela hora, a ver os carros que passavam, e a impressão que produzia neles. Muitos olhavam para ela como se fosse doida, com a curiosidade natural de ver uma mulher sozinha aquela hora. Mas muitos, homens solitários como ela, abrandavam, olhavam-na demoradamente, tentando percebe-la.
Às vezes , nas noites melhores, havia um que parava. Confundia-a com uma prostituta, perguntava-lhe o preço. Ela sorria, entrava no carro, fazia tudo, não levava nada. A intimidade, mesmo que falsa, não tem preço.

sábado, novembro 27, 2004

Parabéns!!

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O meu cantinho começou há um ano. Um ano a dizer disparates, cenas da vida real, noites de cinema, e principalmente a partilhar emoções e experiências com muita gente diferente. Um ano de crescimento interior, e de mudança. Um ano em que reforcei a ideia de que adoro escrever, e gosto de ter o feedback das coisas que escrevo.
Espero que me continuem a visitar por pelo menos mais um ano.
Imagem gentilmente oferecida pela minha amiga de toda a vida.

quinta-feira, novembro 25, 2004

Sono

Sentiu a pontinha de sono a entrar pelos dedinhos do pé. Quando deu por isso, já lhe tinha chegado aos joelhos e não conseguia caminhar. Depois foram as mãos que começaram a adormecer, deixaram de conseguir trabalhar, e até mesmo fazer coisas simples, como pentear-se ou comer. O que lhe valeu foi o cabelo ter adormecido logo a seguir, e com o seu melhor penteado.
Passado pouco tempo todo o corpo dormia do pescoço para baixo. E ela pensou ainda, antes de cair num torpor profundo :
"Sabia que não devia ter comido aquela maçã!"

quarta-feira, novembro 24, 2004

Os maleficios do tabaco

Não consigo perceber há quanto tempo estou aqui. Parecem meses, anos, mas eu duvido que já tenha passado uma hora.
Saíste porta fora dizendo que ias comprar cigarros. É a história mais velha do mundo, sei que vais demorar pelo menos 20 anos para voltar. Sei que quando isso acontecer os meus cabelos embraqueceram, as rugas invadiram-me o rosto, e tu próprio não serás mais que uma sombra do passado. Teremos dificuldade em reconhecer nas velhas carapaças o fogo que possuimos agora.
Mas eu espero aqui por ti. Não tenho outro remédio, deixaste-me bem presa com cordas e algemas.

terça-feira, novembro 23, 2004

Português vernáculo

Estou mesmo fodida.
Sou sempre a mesma totó, nunca digo o que realmente estou a pensar, e acabo sempre a fazer coisas que não quero.
É sempre a mesma merda, logo me havia de calhar ser Peixes ascendente em Banana.

segunda-feira, novembro 22, 2004

Noites Cinéfilas 25

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Depois de umas quantas noites cinéfilas que não foram dignas de nota, e que incluiram pérolas cinematográficas como o Aliens vs Predator, finalmente voltei a ver um filme sobre o qual me apetece escrever, "Olhem para Mim".
Ainda estou na fase de digestão, mas teve o mesmo efeito em mim que o outro filme da realizadora, apesar de me estar sempre a rir, existia uma profunda irritação latente. Um par de chapadas nalgumas das personagens só lhes faria bem, nomeadamente no pai e na filha.
Mas é um filme que vale mesmo a pena ver, com aquela simplicidade do quotidiano típica dos filmes franceses, e que poderia muito ser a minha vida, se eu ainda tivesse vinte anos, um pai escritor e soubesse cantar.

sexta-feira, novembro 19, 2004

Traição

Continuo sem perceber porque me trocaste pela outra. Não sei o que vês nela, que eu não tenha. Tudo bem, até posso conceder que aquele terceiro olho lhe dá um maior campo de visão. E pronto, ter mais um braço também dá jeito nalgumas situações. Sempre te pode abrir a lata de cerveja enquanto te serve os amendoins salgadinhos.
E sempre disseste que a minha segunda boca era só mais uma maneira de te enfernizar, nunca viste as potencialidades eróticas que poderia dar à nossa vida. As asas também te atrapalhavam, apesar de eu continuar a achar que me permitiam sobrevoar todo o campo de futebol e dar-te as novidades mais fresquinhas.
Mas enfim, escolhas são escolhas. Resta-me a consolação de saber que os chifres que te nasceram entretanto são responsabilidade minha.

quinta-feira, novembro 18, 2004

Ou de como as calçadas portuguesas podem ser altamente perigosas.

Diagnóstico: Luxação no indicador da mão direita.

Tratamento: Massajar com Voltaren pomada 3 vezes ao dia.

Agente Causador: Nunca mais bebo vodka na vida!

terça-feira, novembro 16, 2004

Astronomia

As mulheres são de Vénus, os homens são de Marte, mas eu tenho impressão que ando é no mundo da lua.

segunda-feira, novembro 15, 2004

Balanço do fim de semana

- Uma quantidade enorme de alcool em excesso.
- Um mau filme de Hollywood.
- Um joelho esfolado.
- Uma luxação num dedo.
- A dignidade perdida algures no chão do Bairro Alto.
- Uma noite inteira a dançar.
- Rir até doerem todos os músculos faciais e abdominais.
- Uma bola de Berlim às 6h da manhã.

Acho que o balanço é claramente positivo.

sexta-feira, novembro 12, 2004

A Hora

Falta apenas uma hora. Já verifiquei várias vezes e é mesmo daqui por uma hora.
Tenho tudo pronto, acho eu. Demorei alguns dias a arranjar tudo, fiz listas das listas de coisas que tinha para fazer, mas finalmente acho que deixei tudo pronto.
Paguei todas as dívidas, cobrei o que me deviam, terminei todos os trabalhos pendentes.
Li os livros importantes que ainda me faltavam, vi ou revi os filmes da minha vida. Ouvi todas as músicas uma ultima vez.
Pedi perdão a quem tinha magoado, perdoei quem me tinha atingido, fiz as pazes com zangas antigas.
Disse a todos quanto os amava, despedi-me dos que tinha no meu coração e na minha vida.
Reconciliei-me comigo, com Deus e os homens.
E agora, como ocupo esta hora que falta até chegar o fim do mundo?

quarta-feira, novembro 10, 2004

Noites vermelhas

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Acabei de chegar a casa duma noite verdadeiramente espectacular... O concerto de Rammstein foi excelente, como aliás os outros que já tinha visto foram. Eles são super profissionais, com um grande sentido de espectaculo.
Foram umas horas extremamente "hormonais". Aqueles homens preenchem as minhas fantasias sexuais mais reconditas... hummm... nham nham...
E sim, estou toda partida, doem-me as pernas, o pescoço, mal consigo falar... sinto-me uma adolescente com um sorriso nos lábios...
Já agora, se alguém foi ver o concerto e me conseguisse arranjar umas fotos, é que era ouro sobre azul. O meu mail é soniadealmeida[@]sapo.pt (sem os parentesis rectos, claro).

segunda-feira, novembro 08, 2004

Adivinha...

Amanhã vai ser uma grande noitada. Se tudo correr como espero, devo ficar toda partida...

sexta-feira, novembro 05, 2004

Exercicio literário

Gosto de gritos, gemidos e arfares.
Gosto de atirar os braços para trás
e arquear as costas.
Gosto de suspirar e transpirar.

Gosto de dentadas e arranhões.
Agarrar, beijar com força,
ir ao céu e ver as estrelas.

Gosto de sucumbir nos teus braços,
de ficarmos suados, molhados,
enrolados numa teia,
e morrermos um pouco todos os dias

quinta-feira, novembro 04, 2004

Novos desafios

Acabei de chegar da minha segunda aula do curso de formação de formadores. É um novo desafio, uma experiência diferente. Principalmente para uma pessoa como eu, timida e insegura. Ter de estar continuamente a expor opiniões, a debater pontos de vista e a fazer apresentações para colegas que, por enquanto, são desconhecidos, pode ser tão estimulante como aterrorizador. Neste momento ainda estou no meio termo.
A partir de amanhã já não sei.... é a parte em que fazemos uma apresentação dum tema para toda a turma, e para sermos avaliados por isso... Apesar de já ter uma ideia mais ou menos definida acerca do tema que vou abordar, sugestões são bem vindas.
Tem de ser uma formação em algo... do tipo, como se muda um pneu. Venham de lá essas ideias!

segunda-feira, novembro 01, 2004

Tempos modernos

Ainda gostava de saber porque é que as pessoas dizem “teimosa como uma mula”. Bem se vê que não conhecem nenhuma... eu lá alguma vez fui teimosa? Sempre a trabalhar, anos a fio, a puxar carroça, transportar cargas, até cheguei a puxar o arado antes de se comprar o tractor cá para a quinta.
Mas o que eu mais gostava era de passear a miudagem. Vinham sempre com os bolsos cheios de cenouras e de torrões de açúcar, eu passava tardes deliciosas. E no tempo das maçãs... isso é que era engordar. O que eu gosto de maçãs.
Mas os miúdos cresceram, já trabalham na cidade, vêm pouco à quinta. Trabalho também já não há muito, que as máquinas fazem-no todo.
Aqui passo os dias, tranquilamente a pastar. Nem filhos tive, dizem que as mulas são estéreis. Quando era mais nova ainda me fazia confusão ter um pai burro e uma mãe égua, mas com o tempo fui-me habituando. Dizem que é pela mistura que sou tão forte.
O meu patrãzinho dizia-me sempre:
- Que grande mula!
Com muito gosto!