terça-feira, agosto 29, 2006

Bolinha no canto superior direito

Revolvia os olhos rapidamente, olhava freneticamente para o ambiente que a rodeava. Tudo lhe era estranho, nunca tinha visto o mundo daquela perspectiva. Era tudo tão negro, tão árido e áspero. Quase diria que o seu novo mundo era todo feito de asfalto quente e doloroso.
Sentia-se tremendamente pequena, vulnerável e exposta aos perigos do mundo. Algo se tinha passado na sua vida, um trauma terrível que ela não conseguia identificar.
Ouvia sirenes como pano de fundo, sentia uma humidade morna a envolver-lhe a cabeça, a pesar-lhe nos cabelos.
Revirou os olhos, olhou em volta tentando reconhecer algo do local onde se encontrava. Sentia-se cada vez mais cansada, com dificuldade em ter um raciocínio coerente. Era como se tudo lhe fugisse rapidamente debaixo dos pés, enxaguado por aquele liquido morno e espesso.
Já quase não via nada, apenas distinguia formas. Sentia a consciência a escapar-se-lhe nas pontas dos dedos que já nem sentia. Lá ao fundo, pelo canto do olho, percebeu uma forma que lhe era familiar. Conhecia aquelas mãos sapudas, aquelas carnes moles, as pernas maciças. Reconheceu o seu corpo deitado sem vida no asfalto, decepado violentamente.
E depois disso, mais nada.

sexta-feira, agosto 25, 2006

Revolução na Astronomia!!

E agora? O que vai acontecer aos nativos de Escorpião que perderam o seu regente?

segunda-feira, agosto 21, 2006

Intimidades

Lá fora estava frio e chovia abundantemente. Uns raios iluminavam ocasionalmente a manhã cinzenta, e o som cavo dos trovões fazia-lhe tremer os ossos. Ele estava sentado no parapeito da janela, contemplando o caos da rua, sentindo-se agradecido pelo aconchego do seu quarto. A testa pousava docemente no vidro frio da janela, enquanto observava as pessoas pequeninas lá em baixo, lutando com os seus guarda-chuvas e afadigando-se no quotidiano.
Olhou para dentro para se certificar que no seu mundo tudo se mantinha inalterado. Ela ainda dormia calmamente na cama que era dos dois, os cabelos emaranhados trepando pelas duas almofadas como hera numa casa velha. Tinha uma expressão serena, contente, no meio do desalinho dos lençóis, testemunhas do rebuliço nocturno. Os seios elevavam-se ritmicamente, ao som da respiração quente, e as pernas estavam ainda entreabertas, com a confiança de quem se sente segura. No ar pairavam aromas a amêndoa, canela e amor, e a intimidade partilhada era esmagadora.
Apenas havia uma nota discordante. As roupas dela mantinham-se espalhadas no chão do quarto, despidas à pressa na luta dos corpos, marcavam o território que era seu. As dele já lá não estavam. Ele estava impecavelmente vestido, e as malas estavam à porta, prontas para a saída.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Sonhos Verídicos

Esta noite tive um sonho mesmo estranho. Costumo sonhar muito, sonhos agitados, pesadelos algumas vezes, coisas sem nexo. Home cinema da melhor qualidade, a minha vida em comédias sátiro-romantico-aterradoras. Esta noite ainda me ri quando acordei. Claro que depois lembrei-me que eram 6h da manhã e eu ia para um call center daí a nada, e passou-me a vontade de rir.
Mas era uma casa com muitos quartos, e uma sala escura, coberta de lençóis brancos a cair pelas paredes, com uma pista de dança no meio. Nela estava uma amiga minha a dançar com um dos dançarinos do Dança Comigo (escuso de dizer quem é, que ela já percebeu de certeza;)). Mas dançaram imenso, a meio já parecia patinagem artística, porque ele fez a minha amiga rodopiar, primeiro pelo chão, depois pelo ar, acima da sua cabeça, qual boneca de trapos. Eu ia assistindo calmamente, deitada num meio sofá/meio cama, todo branco como tudo à minha volta.
De repente o cenário mudou, e eu era uma menina pequena, filha dum casal, que tínhamos ido visitar a aldeia duns irredutíveis gauleses/celtas. Mas a aldeia estava assente em estreitas rochas, com imensos precipícios por baixo, o que foi horrível, tendo em conta as vertigens que eu sofro. E o chefe da aldeia mostrava-me os infinitos precipícios sem fundo e dizia-me: "Sim, de onde pensam que tirávamos rochas para construir tantos menires?"
Quem visitava a aldeia, e ficava a saber o terrível segredo dos gauleses/celtas, nunca mais podia de lá sair, para não contar a verdade ao mundo. E eles não eram propriamente as personagens simpáticas dos livros que conhecemos.
E estava eu a jurar que nunca contaria nada, sendo a menina mas ao mesmo tempo vendo a cena de fora, quando tocou o meu maldito despertador dos infernos, e eu acordei na minha realidade, à beira dum precipício infinito e assustador chamado vida, donde se retiram todos os menires que nos tapam o caminho.

sexta-feira, agosto 11, 2006

Reflexos

Ficou parada na estação a ver-se reflectida mil vezes nas janelas das carruagens que passavam. Imóvel, sem mover um músculo, mas com os seus reflexos a viajar à velocidade TGV para todas as partes do mundo. Eles iam conhecer aquilo que ela não podia, ver paragens distantes, mundos diferentes, inebriar-se com reflexos de homens livres. No Japão iam apinhar-se de encontro a mil trabalhadores matinais, no México partilhariam a sombra com galos e porcos, na Índia subiriam ao tejadilho da carruagem.
Depois voltavam, cada um de sua parte do mundo, com roupas novas, cores diferentes nas faces, histórias bizarras para contar. Alguns viriam acompanhados por reflexos a quem roubaram o coração, por quem se tinham apaixonado. Outros traziam-lhe presentes coloridos e comidas exóticas.
Todos os dias ela se sentava naquela estação de comboios, enviando novos reflexos e recebendo os antigos, escutando as suas histórias. Ocasionalmente um passageiro de carne e osso parava perto da sua cadeira de rodas, depositava uma moeda reluzente no pano preto estendido no chão e seguia o seu caminho.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Update

Pois a minha vida teve algumas "minor changes" entretanto, das quais ainda não falei aqui. Neste preciso momento em que escrevo estas linhas sorrateiramente estou no meu trabalhinho novo. Rendi-me às evidências, e estou num call center de apoio ao cliente, a fazer 6 horas por dia, das 8h às 14h.
Pagam mal como tudo, tenho de me levantar às 6h da manhã, e demoro quase 2h de caminho a regressar a casa. Em breve terei de fazer também fins-de-semana. Mas nestes tempos de penúria, poderia ser bem pior. Confesso que me custa horrores atender clientes a gritarem comigo, como se eu fosse pessoalmente responsável pelos seus males. Não tenho muito feitio para este tipo de trabalho, mas melhores dias virão. Espero eu. Ou isso, ou definho lentamente naquele fim-de-mundo.
Mas tem algumas vantagens. Sendo a maior o facto de sair às 14h, ter duas amigas de férias, o que me permite ter umas tardes de praia bem jeitosas em perspectiva. De resto, o meu curriculo já deve estar em mais de metade das empresas de Lisboa, e algumas doutros sítios. Outra vantagem é esta mesma que podem ver. Tenho acesso à net, e às vezes enquanto estou horas sem uma chamada, sempre dá para me ir entretendo à socapa. :)
E mesmo escrever uns textos, em dia de maior inspiração.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Derivações Infantis

Era uma vez
Um gato maltês
Tocava piano
Falava francês

Gostava de ratos
E de passarinhos
E à terça-feira
Cozia bolinhos

Enjoava de carro
E de avião
Mas em qualquer barco
Era um valentão

Por isso embarcou
Numa longa viagem
Um barco de piratas
Cheio de malandragem

Comia peixe velho
E ratos sabujos
Mordia calcanhares
De velhos marujos

Morreu de velhice
O nosso gatão
Teve longa vida
Cheia de emoção