segunda-feira, setembro 05, 2005

Dançando

Enquanto dançava agarrada aquele poste de bronze no meio do palco, observava friamente a turba que a rodeava. Rebolava-se dum modo que muitos considerariam sensual, dentro duma tanga minúscula, e com os seus seios gigantescos abanando perante o olhar ávido e incrédulo de quem assistia ao espectáculo. Tinha os cabelos louros, à custa de anos de pinturas e descolorações agressivas, e umas lentes poderosas davam-lhe um olhar sedutoramente azul. Fora abençoada pela genética com umas longas pernas bem torneadas, e com um corpo magro e escultural, que deixava todos enlouquecidos.

Tinha um profundo desprezo pelos homens a quem era suposto excitar. Achava-os básicos, de uma simplicidade absurda. Fazia os mesmos movimentos todas as noites, ritmados e previsíveis, a mesma coreografia bacoca e pseudo-erótica, com um sorriso alienado nos lábios, olhando para um infinito inexistente, e para cada homem como se fosse o único da sala, e isso bastava para elevar o espírito de todos os que a rodeavam. Notavam-se as erecções mal disfarçadas por dentro das calças, as mãos que as acariciavam, mais ou menos discretas, consoante a classe e o nível do homem a quem pertenciam.

Mas por vezes estava lá um que se destacava de todos os outros. Não se contorcia na cadeira, não dava berros de incentivo, não estava rodeado duma imensidão de amigalhaços para potenciar a sua excitação. Olhava-a com o mesmo desprezo que ela votava a todos os outros que a rodeavam, e isso, mais que um desafio, era uma provocação. Ela tinha tomado aquele homem como a sua cruzada pessoal, faze-lo perder a compostura por si tinha-se tornado o seu objectivo.
Nas noites em que ele aparecia, todo o espectáculo decorria em função dele. Sorria-lhe, abanava-se na sua direcção, fazia coreografias cada vez mais ousadas. Mas nada parecia dar resultado, porque enquanto a multidão de homens anónimos à sua volta se agitava cada vez mais, aquele mantinha-se impassível, com o seu sorriso cínico a emoldurar-lhe o rosto.

Um dia comprou uns minutos no privado com ela, que viu aí finalmente uma oportunidade para se mostrar em todo o seu esplendor, e conseguir finalmente destabiliza-lo com o seu talento, tão eficaz nos outros homens. Dançou só para ele, ciosa do poder do seu corpo, que podia tocar mas não ser tocado. Provocou, deslizou, aflorou o fruto proibido, dum modo que deixaria qualquer outro homem louco de excitação. E enquanto a sua cara fazia a viagem das pernas dele até à cara, ele sussurrou-lhe ao ouvido: “Não me impressionas. Não quero ver a felina, a sedutora. Quero ver a menina que se perdeu aí dentro um dia."