História Primaveril - 1
Levantou-se bem disposto e com um sorriso nos lábios, como todas as manhãs. Era muito solar, agradecia a entrada do sol na sua vida, e apagava-se como uma vela no final de um dia agitado. Caminhou mole e desajeitadamente, com a preguiça a ser expulsa lentamente dos seus membros trôpegos.
Começou sua higiene matinal com cuidado e dedicação. Limpou as patinhas de encontro à erva orvalhada, esfregou o focinho até espantar o torpor, e poliu carinhosamente cada um dos seus espinhos. Mirou-se no reflexo da sua poça, ajeitou os pelinhos da testa e gostou do resultado. Era um belo ouriço-cacheiro. Encheu o peito de ar, rodopiou sobre si mesmo, e partiu garboso pelos caminhos.
Não percebia porque ainda estava só sendo tão belo. Tinha muitos amigos, e tivera a sua quota parte de namoradas, mas faltava-lhe ainda a companheira de vida, a que lhe proporcionaria descendência e estabilidade. Ainda o ano passado tivera um tórrido romance com uma doninha belíssima, de pelo lustroso e olhar doce. Mas acabara abruptamente quando ele percebera que as intenções dela eram mais alimentares, e separaram-se litigiosamente, ele mais careca e ela com um considerável número de espinhos a mais no lombo. Demorara muito tempo a recompor-se. A sua confiança nos outros fora seriamente abalada, já para não falar nos danos quase irreversíveis que a sua vaidade sofrera.
Mas regressado à Primavera, o seu coração estava de novo disponível, e as suas hormonas novamente activas. Saía todas as manhãs com forças redobradas, procurando uma noiva séria que caminhasse com ele. Fazia curtas paragens para comer um escaravelho ou uma cigarra mais incauta, que precisava de se manter bem alimentado. Nada como mostrar que se tem bons genes para a troca, para atrair a esposa certa. Percorria os mesmos caminhos ancestrais, e por vezes aventurava-se mesmo por outros, na sua busca diária.
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