A Câmara
Trajava sempre de negro, não para dar nas vistas, mas para se fundir com o meio, como um camaleão, e passar despercebida em qualquer lado por onde passasse. Tinha uma postura discreta, suave, quase não se notava a sua presença, a não ser quando fazia cantar as suas cordas vocais com aquela voz de mel. Era sempre tão simpática, correcta e calma, que não deixava qualquer impressão nas pessoas que a rodeavam. Os colegas de trabalho não sabiam quem ela era, os vizinhos julgavam a sua casa desabitada, a família recordava-se vagamente duma presença feminina algures na sua árvore genealógica, mas que tinha partido para parte incerta.
Saía todos os dias para o trabalho, tomava o pequeno-almoço no café da esquina, ia de metro onde se fundia com a massa anónima, igual todas as manhãs. Desempenhava as suas funções com extrema eficiência, sempre por trás dum monitor, onde se correspondia com outros números e nomes fictícios de outras empresas gigantes.
Voltava para casa ao fim da tarde, fazia algumas compras na grande superfície mais próxima, embalagens individuais, sem cor cheiro e sabor, ideias para vidas saudáveis e monótonas. Cozinhava as suas monodoses no seu microondas, e sentava-se com o seu tabuleiro individual no colo, no sofá da sala, comprado na loja da moda, assistindo a filmes e séries onde as heroínas viviam vidas de sonho, cheias de amor, sexo e glamour.
À meia-noite levantava-se, vestia uma lingerie de renda preta, um vestido sexy coleante. Ligava o computador, a internet e a sua página pessoal. Tornava-se a mulher sexy que sempre ambicionara ser, despia-se lenta e sensualmente em frente à câmara, para dezenas de teclados anónimos e cinzentos como ela, que partilhavam o sonho duma vida a dois.
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