História Primaveril - 2
Na outra ponta do bosque, à mesma hora, debaixo duma raiz levantada, ela mexeu-se pachorrenta. Piscou os olhos incomodada pelo sol, abanou-se para sacudir o orvalho e a poeira acumulada, virou-se, cobrindo os olhos com uma folha velha, e deixou-se adormecer de novo. Estava cansada, rabugenta, farta da mesma rotina, e já não queria mais. Ia deixar-se ficar sossegada naquela manhã, e quem sabe quantas mais. Não havia necessidade de sair dali, nem mesmo para comer. Havia sempre um besouro distraído que pousava nela por a julgar inerte, e encontrava aí o seu fim. Um besouro por dia dá força e apatia, costumava ela pensar. Se calhar era um problema de dieta. Ignorou os pensamentos, virou-se para o outro lado, e caiu novamente num sono pesado.
Era muito bela, de pelinhos luzidios cobertos por uma sólida camada de espinhos bem afiados. Mas no verão passado perdera uma patinha e o alento numa luta com um toirão esfaimado. A escassez de boa comida atacava a todos, agora que o bicho homem tomara conta de todo o bosque, e ela não levara o ataque como uma questão pessoal. Mas tinha ficado desanimada, sem vontade de caminhar e calcorrear a erva fresca. Quem sabe os perigos que espreitam por trás de cada ramo, cada folha, ou cada lomba do caminho?
Quando a solidão apertava lá ia ao encontro dos seus velhos amigos, desanuviar um bocadinho, petiscar umas minhocas, mariscada da melhor, apanhar um pouco de sol para corar os espinhos.
Naquela manhã em particular não conseguiu voltar a adormecer. Um estorninho irrequieto não se calava, anunciando a primavera, mesmo por cima da sua cabeça. Estava feliz o raio do pássaro, sabe-se lá porquê. Se não se afoita, ainda acaba numa gaiola a cantar em casa de alguém. Fartou-se de estar deitada, e resolveu que era dia de ir até ao riacho, ver o seu reflexo, ajeitar a penugem e o aspecto em geral, que vem aí o tempo quente e há que celebrá-lo. Pata a mais ou a menos, continuava a ser uma moça bonita, e os tempos de luto tinham que acabar.
Naquela manhã em particular não conseguiu voltar a adormecer. Um estorninho irrequieto não se calava, anunciando a primavera, mesmo por cima da sua cabeça. Estava feliz o raio do pássaro, sabe-se lá porquê. Se não se afoita, ainda acaba numa gaiola a cantar em casa de alguém. Fartou-se de estar deitada, e resolveu que era dia de ir até ao riacho, ver o seu reflexo, ajeitar a penugem e o aspecto em geral, que vem aí o tempo quente e há que celebrá-lo. Pata a mais ou a menos, continuava a ser uma moça bonita, e os tempos de luto tinham que acabar.
Levantou-se vagarosa, dirigiu-se em passos curtos pelo caminho mais seguro, petiscando umas formigas preguiçosas pelo caminho. Esta luz do sol dava-lhe uma fome.
Chegou ao riacho mais rápido que esperara, e mirou o seu reflexo. Afinal era mais bela do que se lembrava, apesar das folhas de relva presas nos espinhos rebeldes. Ajeitou-se com cuidado, penteou-se, e voltou ao seu máximo esplendor.
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