sexta-feira, agosto 11, 2006

Reflexos

Ficou parada na estação a ver-se reflectida mil vezes nas janelas das carruagens que passavam. Imóvel, sem mover um músculo, mas com os seus reflexos a viajar à velocidade TGV para todas as partes do mundo. Eles iam conhecer aquilo que ela não podia, ver paragens distantes, mundos diferentes, inebriar-se com reflexos de homens livres. No Japão iam apinhar-se de encontro a mil trabalhadores matinais, no México partilhariam a sombra com galos e porcos, na Índia subiriam ao tejadilho da carruagem.
Depois voltavam, cada um de sua parte do mundo, com roupas novas, cores diferentes nas faces, histórias bizarras para contar. Alguns viriam acompanhados por reflexos a quem roubaram o coração, por quem se tinham apaixonado. Outros traziam-lhe presentes coloridos e comidas exóticas.
Todos os dias ela se sentava naquela estação de comboios, enviando novos reflexos e recebendo os antigos, escutando as suas histórias. Ocasionalmente um passageiro de carne e osso parava perto da sua cadeira de rodas, depositava uma moeda reluzente no pano preto estendido no chão e seguia o seu caminho.