Feliz Natal
Todos os dias pegava na sua caixa, vazia pela manhã. Não adiantava ir muito cedo, porque nas horas de ponta era impossível andar de transportes. Mas a partir das 10h já havia espaço. Para ele, a sua mulher, igual a ele, e as suas bengalas. Começavam no inicio da linha, um em cada ponta do metro. Cruzavam-se a meio, e até esboçariam um sorriso, mas ambos sabiam que o outro não o veria. Mas sentiam o cheiro um do outro, e isso já os deixava feliz. Até piscariam o olho, mas as pálpebras nunca se tinham descerrado. Ambos nasceram assim, e assim tinham aprendido a viver, a andar e a amar.
“Tenha a bondade de me auxiliar, por favor.”, era a frase repetida até à exaustão. Nunca aprenderam nenhum outro oficio, cego é deficiente, inválido, não serve para trabalhar, o que há-de ser destas crianças, foi cassete que sempre escutaram. E assim se tinham habituado, afinal, se tanta gente lhes disse, deveriam ter razão.
“Esta criança é um peso, que mal fiz eu a Deus para merecer isto? Mais valia se nunca tivesses nascido!”
Não se zangavam, nunca lhes disseram isto por mal. Eram um peso, e sabiam-no. Era principalmente um peso para si próprios.
Mas um dia, há muito tempo atrás, tinham-se cruzado pela primeira vez, algures numa rua da Baixa. E descobriram que cantavam a mesma canção: “Tenha a bondade de me auxiliar, por favor.” Pararam, olharam para o céu, que foi de onde lhes pareceu vir o som. Repetiram as mesmas palavras a medo. Até teriam sorrido, se soubessem como o fazer. Mas deram as mãos, juntaram as cegueiras.
“Tenha a bondade de me auxiliar, por favor.”, era a frase repetida até à exaustão. Nunca aprenderam nenhum outro oficio, cego é deficiente, inválido, não serve para trabalhar, o que há-de ser destas crianças, foi cassete que sempre escutaram. E assim se tinham habituado, afinal, se tanta gente lhes disse, deveriam ter razão.
“Esta criança é um peso, que mal fiz eu a Deus para merecer isto? Mais valia se nunca tivesses nascido!”
Não se zangavam, nunca lhes disseram isto por mal. Eram um peso, e sabiam-no. Era principalmente um peso para si próprios.
Mas um dia, há muito tempo atrás, tinham-se cruzado pela primeira vez, algures numa rua da Baixa. E descobriram que cantavam a mesma canção: “Tenha a bondade de me auxiliar, por favor.” Pararam, olharam para o céu, que foi de onde lhes pareceu vir o som. Repetiram as mesmas palavras a medo. Até teriam sorrido, se soubessem como o fazer. Mas deram as mãos, juntaram as cegueiras.
E ainda hoje cantam juntos, algures, no metro. Todos os dias.
<< Home