O Pai Anjo
Não se lembra exactamente há quanto tempo morreu, mas tem ainda vagas recordações de ter assistido ao seu funeral. Já fora do corpo, claro, pairando naquele limbo estranho, em que ainda não deixámos de ser homens, mas também não atingimos a condição de anjos. Lembra-se que espirrou durante horas, por causa do ramo de gladíolos que a Tia Augusta lhe deixou no caixão. Sacana da velha sempre tinha embirrado com ele, e de certeza que fizera de propósito para comprar as flores a que ele era alérgico.
Viu a mulher debulhada em lágrimas, fingidas de certeza, porque aquela grande ordinária já há mais de dois anos que andava com o rapaz novo da contabilidade. Ele é que fingiu que não percebia, até lhe dava jeito para encobrir as escapadelas crónicas que dava com as secretárias.
Ainda conseguiu ver as guerras familiares que as partilhas provocaram, e como quase se mataram para decidir quem ficava com a casa do Algarve. O seu mais velho não o desiludiu, tinha seguido as suas pisadas em tudo, até mesmo na esperteza e na frieza de coração. Conseguiu angariar muito mais bens que os irmãos, com esquemas e falcatruas dignas de um político. No final, ficaram todos a ganhar com a sua morte, até mesmo o mais novo, que tal como ele esperava, se recusou a entrar em disputas. Mas ele já previa isso, e tinha deixado um fundo em seu nome antes de morrer.
E era mesmo o mais novo que lhe quebrava o coração. Era o que mais tinha gostado do velho pai rezingão, mas ele não estava preparado para o ver passar tardes a fio no cemitério, chorando, dialogando com a pedra fria durante horas intermináveis, desabafando os seus desgostos sem esperar resposta. Ele ficava lá, junto ao filho, silencioso, ainda sem ser anjo, mas já não sendo homem, sem saber como havia de o ajudar. Debruçava-se a seu lado e sussurrava-lhe ao ouvido: “Segue a tua vida, meu filho. O pai está bem, e espera-te daqui a muitos anos, depois duma vida longa e feliz.”
Um dia a mensagem atingiu o seu destino. Sem saber porquê, depois duma tarde passada à beira do seu pai, ele disse: “Eu sei que estás bem. Vou seguir a minha vida, e espero ver-te daqui a muitos anos. Reza por mim.”
Levantou-se, saiu calmamente e não voltou ao cemitério.
Viu a mulher debulhada em lágrimas, fingidas de certeza, porque aquela grande ordinária já há mais de dois anos que andava com o rapaz novo da contabilidade. Ele é que fingiu que não percebia, até lhe dava jeito para encobrir as escapadelas crónicas que dava com as secretárias.
Ainda conseguiu ver as guerras familiares que as partilhas provocaram, e como quase se mataram para decidir quem ficava com a casa do Algarve. O seu mais velho não o desiludiu, tinha seguido as suas pisadas em tudo, até mesmo na esperteza e na frieza de coração. Conseguiu angariar muito mais bens que os irmãos, com esquemas e falcatruas dignas de um político. No final, ficaram todos a ganhar com a sua morte, até mesmo o mais novo, que tal como ele esperava, se recusou a entrar em disputas. Mas ele já previa isso, e tinha deixado um fundo em seu nome antes de morrer.
E era mesmo o mais novo que lhe quebrava o coração. Era o que mais tinha gostado do velho pai rezingão, mas ele não estava preparado para o ver passar tardes a fio no cemitério, chorando, dialogando com a pedra fria durante horas intermináveis, desabafando os seus desgostos sem esperar resposta. Ele ficava lá, junto ao filho, silencioso, ainda sem ser anjo, mas já não sendo homem, sem saber como havia de o ajudar. Debruçava-se a seu lado e sussurrava-lhe ao ouvido: “Segue a tua vida, meu filho. O pai está bem, e espera-te daqui a muitos anos, depois duma vida longa e feliz.”
Um dia a mensagem atingiu o seu destino. Sem saber porquê, depois duma tarde passada à beira do seu pai, ele disse: “Eu sei que estás bem. Vou seguir a minha vida, e espero ver-te daqui a muitos anos. Reza por mim.”
Levantou-se, saiu calmamente e não voltou ao cemitério.
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