sexta-feira, dezembro 30, 2005

Feliz Ano Novo

As badaladas chegaram tão de repente que a apanharam desprevenida. Estes novos anos tinham a mania de chegarem sem se fazer anunciar, sorrateiros, tentando apanhar todo o mundo de surpresa. Até ela, que estava preparada para rodar o calendário e indicar a 2006 o melhor sitio para pôr o carro, quase fora surpreendida pela leveza com que ele chegara.
Fê-lo entrar para o escritório que ocuparia nos próximos doze meses, e que não continha nenhum vestígio do inquilino anterior. 2005 fora um patrão exigente e cheio de manias, dera-lhe muito trabalho limpar e arrumar tudo naquele infinitésimo de segundo que dispunha entre um e outro. Mas era competente, velha como o Tempo, e já se habituara ao seu trabalho, que fazia com prazer.
Tinha deixado um café bem quente e a lareira acesa para dar ambiente. Convocara Janeiro para a primeira reunião mensal, mas só passados os primeiros minutos, para dar a 2006 tempo para se adequar ao novo ambiente e às novas responsabilidades. Já aprendera a ser prudente com estes novos anos. O último a quem não tinha servido a marca certa de whisky foi a 1939, e foi o que se viu. Na sua ira de ressaca mal curada, logo ali depois das férias, começou uma guerra mundial. E já era a segunda, que 1914 também foi um patrão difícil de contentar. Os anos que se seguem é que se vêem a braços com uma trabalheira para desfazer essas embrulhadas.
Mas eles têm o seu quê de sádicos, até lhes agrada o caos que conseguem criar. Raro é o ano que não mete a sua colherada, em guerras, catástrofes, ou coisas que tais. Ela tem a sua teoria. Acha que é por serem trabalhadores temporários, não estão nos quadros do céu como ela. Apesar das mordomias que recebem enquanto estão em funções, ao fim de 12 meses são descartados como qualquer funcionário de escritório que deixou de ser preciso. Ora claro que isso tem de causar ressentimentos, ainda por cima porque sabem à partida que não há apelo nem agravo a esta situação. Quando começam funções, já o próximo milénio tem as contratações feitas.
Os finais de milénio são os que sofrem mais. Fazem-lhes uma tal festa à chegada, que depois muito sofrem para sair. 2000 teve de ser expulso ao pontapé por 2001, e quando 2002 chegou ainda o encontrou agarrado à porta do lado de fora, a mendigar mais uns minutos de reinado.
Janeiro está quase a chegar, é melhor ir buscar uma manta bem quente, que aquele homem gela todo o escritório. Bem precisava dumas férias, mas não há mês que não precise dela. Um dia, quem sabe, quando tudo acabar?