Na Base de Dados
Trabalhava numa fábrica do pensamento, na secção da imaginação. Tinha a seu cargo os sonhos eróticos de milhares de portugueses acima da idade regulamentar, uma vez que antes dos 18 anos era estritamente proibido sonhar com determinadas temáticas. Tinha passado brevemente pelo departamento das aspirações políticas, mas cedo percebeu que não tinha jeito para mentir. Gostava mais de acompanhar as pessoas nos seus tempos mortos, de lazer, proporcionar doces ilusões de felicidade.
Se algum casal se zangava, nessa noite era sabido que sonhariam um com o outro, e com os melhores momentos que tinham passado juntos. Amanheciam mais tranquilos, com um sorriso apaziguador nos lábios, e sem se lembrarem como, já tinham feito as pazes. As velhas viúvas sonhavam muitas vezes com os seus maridos perdidos, e com o futuro risonho dos filhos e dos netos, uma preparação suave para a partida breve.
Mas o que lhe dava mais prazer era construir novos casais. Procurava na base de dados por várias horas, pesquisando os interesses e ambições de cada jovem, até encontrar um par que fosse a combinação perfeita. Depois, punha-os nos sonhos um do outro durante várias noites seguidas, sempre em cenários paradisíacos, praias, biquínis, sol e mar. Os sonhos iam evoluindo suavemente, mudando de cenário, desapareciam por um mês, para reaparecer em seguida.
Até que um dia, por algum acaso, os dois protagonistas se cruzavam na rua, nos transportes, ou se encontravam numa festa. Surgia de imediato uma cumplicidade, uma empatia que eles não sabiam a que deviam atribuir. Apenas sabiam que se sentiam terrivelmente bem um com o outro, como se fossem velhos amantes. O primeiro toque já não era surpresa, enchia-os da certeza do amor eterno.
E isso, mais que tudo, deixava-a feliz. Esperava encontrar um dia, na imensa base de dados, o par ideal para a sua vida, aquele que iria sonhar com ela noites a fio, e acordar um dia com a certeza que tinha descoberto o seu amor.
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