terça-feira, abril 25, 2006

Efemérides

Onde estavas no 25 de Abril, essa data tão importante e emblemática do nosso passado? Se bem me recordo estavas na cama duma lambisgóia qualquer, a lambuza-la de cravos vermelhos e beijos de mel, perfeitamente imbuído do espírito revolucionário passivo que tão bem nos define. Sempre foi assim toda a nossa vida, as efemérides nunca as passámos juntos. Só te lembras de mim quando a fome aperta e os meus braços te parecem alimento.
E eu, esposa amantíssima convencida do seu papel aglutinador da sociedade decadente em que vivemos, cá te espero de braços abertos e recriminações na ponta da língua. Alimento-te na cama e na mesa como animal ferido com medo do mundo, até te sentires de novo livre e forte para sobrevoar e rapinar as mulheres alheias.
Já nem saberia viver doutro modo, sou livre e feliz à minha maneira, fazendo o papel da esposa humilhada quando não estás, e da mulher corajosa e altruísta quando regressas de rabo entre as pernas.
“Para quê aturar os defeitos de outro, quando já conheço de cor os deste?”, comento com as vizinhas coscuvilheiras com ar sofredor, gozando da atenção extra que me é dispensada. “Coitado, eu tenho sofrido muito, mas desta vez ele vem para ficar.” Cruzes canhoto, Deus me livre que isso fosse verdade!