quarta-feira, outubro 20, 2004

O Colecionador

Ele tinha uns óculos muito grossos, com uns pesados aros de tartaruga. O cabelo, já escasso, estava cheio de gel e puxado para a frente, cobrindo as faltas. O velho fato de fazenda estava já coçado, e tinha umas cotoveleiras para esconder os efeitos do uso prolongado. Tinha um ar alienado, sempre noutro mundo, como se apenas conseguisse ver o que era pequeno, microscópico, as grandes coisas da vida passavam-lhe sempre ao lado.
Mas, apesar de tudo, os seus alunos gostavam dele, e mesmo depois de reformado, muitos continuavam a visitar o velho professor de ciências, que a tantos tinha incutido o seu gosto pela natureza.
A alguns, poucos, mostrava a sua colecção, resultado de anos de recolha de exemplares. Tinha apurado aquela técnica desde miúdo. Quando encontrava uma teia abanava-a ligeiramente. A aranha, curiosa, aparecia a espreitar, esperando alimento. Nessa altura ele agarrava-a com uma pinça e guardava-a num frasco. Depois, recortava delicadamente a teia de aranha e colava-a numa cartolina preta. Por fim, agarrava na aranha, trespassava-a com um alfinete e guardava-a na sua colecção, junto da sua teia, com a respectiva etiqueta indicando o nome em latim.
Ao longo dos anos tinha recolhido largas centenas, e os poucos eleitos para as verem nunca conseguiam esconder o seu espanto, mais pela insanidade da empreitada do que pela beleza da colecção. Agora já não fazia recolhas. Passava os dias a dar pequenos retoques, acertos, a fazer limpezas, remendando teias. Fala com as suas meninas tecedeiras como se de filhas se tratassem, e espera o dia em que elas voltarão à vida, e em conjunto tecerão o casulo que o envolverá nos seus momentos finais.