O Banho
Entrou languidamente na banheira. Estava uma noite muito fria, e depois dum dia de trabalho comprido e monótono, não há nada melhor que um banho quente para relaxar os músculos saturados. Ligou a água no mais quente que conseguia aguentar, e sentiu com prazer os primeiros fios de água a desenharem-lhe os contornos do corpo. Esfregou-se com prazer voluptuoso, lavou o cabelo que lhe escorria sedento pelas costas, e estava agora apenas a deixar que a água corrente lhe lavasse o corpo e aquecesse a alma.
Entrou um vulto negro na casa de banho, sem que ela se apercebesse. Carregava nas mãos o final da sua vida. Ergueu bem alto a mão com a faca e susteve a respiração quando chegou perto do cortinado da banheira. Era agora! A vida daquela bela criatura molhada terminaria nas suas mãos.
A cortina abre-se subitamente.
- Desculpe, mas já vem atrasado!
- Ãh?
- Já vem atrasado. Agora já não dá. Pode baixar a mãozinha, que deixou escapar a oportunidade.
- Ãh? – Disse ele, de boca aberta, ainda com o braço estendido no ar.
- Desculpe, mas feche a sua boquinha de espanto, baixe o bracinho, que já lhe disse que hoje já não vem a tempo. Essas coisas são feitas depois do shampoo, mas antes do amaciador. E eu já pus o amaciador. Aliás, se me fizer o favor de se desviar para me deixar pôr o creme no corpo, eu agradeço.
Ele desviou-se ainda incrédulo, mas sem baixar o braço parado no ar, que parecia agora que já não lhe pertencia.
- Amaciador? Creme no corpo?
- Vai repetir tudo o que eu lhe disser? Aposto que tem a licença há pouco tempo. Quantos crimes já praticou?
- Ãh... pois... este seria o primeiro. Passaram-me a licença há um mês, mas houve problemas com as burocracias, perderam-me umas notas dumas cadeiras, e só ontem chegou a guia de assassínio a casa.
- Pois, estou a ver, teve azar na faculdade que escolheu, com certeza. E hoje, tão desejoso de experimentar, nem leu as regras como deve ser, aposto. Isto de se matar tem os seus procedimentos. Tem de ser depois do shampoo, porque a vítima não pode ir de cabelo sujo, não fica bem nas fotos para o jornal. Mas tem de ser sempre antes do amaciador, para evitar gastos desnecessários. Ou não sabe que os produtos de higiene pessoal andam pela hora da morte?
- Pois, realmente não ando a par dos preços. O meu corte de assassino é de manutenção fácil, só uso shampoo. E nem preciso secador depois.
- Percebo, mas este lindo cabelo de vítima só se consegue manter à custa de muitos tratamentos, como deve compreender. Por isso, é como lhe digo, perdeu a sua vez. Desculpe, importa-se de me passar o soutien? Está ali pendurado no toalheiro.
Passou-lhe o soutien, corando, como se de repente se tivesse apercebido da sua nudez.
- Então e agora como é que eu resolvo isto? Já tinha marcado uma reunião na Ordem e tudo. Sabe que só me posso inscrever depois do primeiro assassinato concluído com sucesso.
- Isso agora é que eu não sei como é que vai resolver. Mas hoje já será impossível, com certeza.
- Então e se fôssemos jantar? Sempre me podia explicar os passos dum banho correcto, e em que parte é que eu tenho de aparecer.
- Sabe que isso é muito pouco ortodoxo, mas realmente hoje já não tenho mais nada para fazer. Dê-me cinco minutos para acabar de me vestir.
- E já agora pagava a senhora. Assim como assim, vou assassiná-la numa questão de dias, quando acertar com os tempos. E sempre me poupava uns trocos.
- Mas que falta de cortesia. Mas enfim, já não se fazem assassinos como nos meus tempos de criança. Venha daí. Mas se sou eu a pagar vamos a um baratinho. Que ainda tenho de deixar herança.
Entrou um vulto negro na casa de banho, sem que ela se apercebesse. Carregava nas mãos o final da sua vida. Ergueu bem alto a mão com a faca e susteve a respiração quando chegou perto do cortinado da banheira. Era agora! A vida daquela bela criatura molhada terminaria nas suas mãos.
A cortina abre-se subitamente.
- Desculpe, mas já vem atrasado!
- Ãh?
- Já vem atrasado. Agora já não dá. Pode baixar a mãozinha, que deixou escapar a oportunidade.
- Ãh? – Disse ele, de boca aberta, ainda com o braço estendido no ar.
- Desculpe, mas feche a sua boquinha de espanto, baixe o bracinho, que já lhe disse que hoje já não vem a tempo. Essas coisas são feitas depois do shampoo, mas antes do amaciador. E eu já pus o amaciador. Aliás, se me fizer o favor de se desviar para me deixar pôr o creme no corpo, eu agradeço.
Ele desviou-se ainda incrédulo, mas sem baixar o braço parado no ar, que parecia agora que já não lhe pertencia.
- Amaciador? Creme no corpo?
- Vai repetir tudo o que eu lhe disser? Aposto que tem a licença há pouco tempo. Quantos crimes já praticou?
- Ãh... pois... este seria o primeiro. Passaram-me a licença há um mês, mas houve problemas com as burocracias, perderam-me umas notas dumas cadeiras, e só ontem chegou a guia de assassínio a casa.
- Pois, estou a ver, teve azar na faculdade que escolheu, com certeza. E hoje, tão desejoso de experimentar, nem leu as regras como deve ser, aposto. Isto de se matar tem os seus procedimentos. Tem de ser depois do shampoo, porque a vítima não pode ir de cabelo sujo, não fica bem nas fotos para o jornal. Mas tem de ser sempre antes do amaciador, para evitar gastos desnecessários. Ou não sabe que os produtos de higiene pessoal andam pela hora da morte?
- Pois, realmente não ando a par dos preços. O meu corte de assassino é de manutenção fácil, só uso shampoo. E nem preciso secador depois.
- Percebo, mas este lindo cabelo de vítima só se consegue manter à custa de muitos tratamentos, como deve compreender. Por isso, é como lhe digo, perdeu a sua vez. Desculpe, importa-se de me passar o soutien? Está ali pendurado no toalheiro.
Passou-lhe o soutien, corando, como se de repente se tivesse apercebido da sua nudez.
- Então e agora como é que eu resolvo isto? Já tinha marcado uma reunião na Ordem e tudo. Sabe que só me posso inscrever depois do primeiro assassinato concluído com sucesso.
- Isso agora é que eu não sei como é que vai resolver. Mas hoje já será impossível, com certeza.
- Então e se fôssemos jantar? Sempre me podia explicar os passos dum banho correcto, e em que parte é que eu tenho de aparecer.
- Sabe que isso é muito pouco ortodoxo, mas realmente hoje já não tenho mais nada para fazer. Dê-me cinco minutos para acabar de me vestir.
- E já agora pagava a senhora. Assim como assim, vou assassiná-la numa questão de dias, quando acertar com os tempos. E sempre me poupava uns trocos.
- Mas que falta de cortesia. Mas enfim, já não se fazem assassinos como nos meus tempos de criança. Venha daí. Mas se sou eu a pagar vamos a um baratinho. Que ainda tenho de deixar herança.
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