quarta-feira, abril 06, 2005

Ela

Levantou-se com o estômago do tamanho duma ervilha. Estava nervosíssima, sentia-se uma adolescente de novo. Foi para o banho, e não descurou nenhum pormenor. Usou um gel de banho esfoliante, para deixar a pele macia ao toque, e fez a depilação completa, como via nas fotos das meninas da playboy que lhe vinham parar ao mail. Sentia-se ridícula, já não estava habituada a seduzir e ser seduzida, mas agora era tarde demais para voltar atrás. Falavam-se pelo MSN há tanto tempo, e tinha finalmente tido coragem para um encontro. Desde o seu divórcio penoso, depois dum longo casamento, mais penoso ainda, era a primeira vez que se tinha deixado interessar por alguém.
Enquanto passava o creme hidratante no corpo lembrava-se de como se tinham conhecido há largos meses atrás, numa das primeiras vezes que ela tinha visitado um chat da internet. Tinha sido a filha mais nova que a tinha ensinado a mexer naquelas coisas todas, e ainda se atrapalhava com tanta informação, mas já habituara a utilizar aquele meio de informação, comunicação e socialização. Hoje finalmente o virtual ia passar a ser real.
A lingerie tinha sido escolhida com um enorme cuidado, para ser provocante sem roçar o ordinário, e só o facto de a vestir fez logo com que ela se sentisse muito mais sexy e confiante.
Vestiu cuidadosamente aquele fato de saia e casaco que sabia que realçava as suas formas generosas, mas ainda bem cuidadas apesar da idade. Não podia pedir a opinião a ninguém, porque não tinha confidenciado os seus planos para essa noite. Receava que as filhas a tomassem por uma velha tonta, e as colegas achassem que ela estava a ficar senil.
Passou o dia sem se conseguir concentrar no trabalho, alheada, respondendo por monossílabos, olhando para o relógio de cinco em cinco minutos. De vez e quando ia à casa de banho, ajeitar-se em frente ao espelho, retocar a maquilhagem, enquanto se recriminava mentalmente por se sentir novamente a perder o controlo das suas emoções.
À hora que saiu do emprego mandou uma mensagem para o telemóvel a dizer que já ia a caminho. Passou pelo espelho antes para se certificar que tudo estava perfeito, e foi até ao local combinado para o encontro com um enorme aperto no estômago.
Chegou à esplanada onde tinham marcado, porque o calor de Verão convidava a programas ao ar livre. Retirou da mala o livro que carregava sempre e lhe servia de escudo protector, mas não conseguia ler uma linha. Em vez disso perscrutava o espaço em volta, em busca do desconhecido que vira apenas uma vez numa foto ao longe e desfocada.
Os minutos foram passando, lentos, como se os ponteiros de todos os relógios do mundo se tivessem unido contra ela. O telemóvel estrategicamente colocado em cima da mesa permanecia mudo, e ela já tinha fechado o livro, e permanecia agora ansiosa olhando em toda a volta.
O sumo fresco que tinha pedido já tinha acabado, as pessoas nas outras mesas já tinham ido, vindo, e mudado de rosto, e ela começava já a pensar também que não valia a pena continuar à espera. Os minutos já se tinham transformado em horas, e ela começava a sentir a vergonha e a tristeza galgarem-lhe a garganta a uma velocidade frenética. Pagou, levantou-se, aguentou heroicamente a caminhada até ao carro, e quando se sentou ao volante chorou por todas as raivas que tinha guardadas.
Chegada a casa apagou todos os rastos que ele tinha deixado no seu computador, e as marcas na sua vida. Aprendeu a lição.