sábado, abril 09, 2005

Ele

O dia tinha amanhecido bem quente, tal como acontecia nas últimas semanas. Tinha sido realmente boa ideia combinar o encontro numa esplanada, se fossem para um local abafado ele com certeza que iria deixar aquelas marcas horríveis de suor na sua camisa Armani. Era raro usa-la, mas aquele dia era especial. Ia finalmente conhecer a mulher que lhe preenchia as noites solitárias em frente ao computador. Ainda se lembrava do nick com que ela entrara pela primeira vez naquela sala de chat, “Carocha”. Tinha sido a estranheza do nome que instantaneamente o cativara, e ainda mais quando ela lhe tinha explicado que era uma velha alcunha de infância. A doçura e sensibilidade dela deixavam-no fascinado, e a conversa entre os dois tinha sido tão natural como a de dois velhos colegas de escola. Partilhavam tantos gostos e interesses, e a companhia dela ajudava-o a adormecer mais feliz todas as noites.
Tinha tido algum receio de marcar aquele encontro, e desfazer a magia e o encanto. Mas por outro lado, o corpo tinha já uma urgência de contacto, de toque, cheiro e sabor, que não podia ser ignorada. Fez a barba cuidadosamente, não queria levar nenhum corte inestético, pôs o creme que lhe deixava a pele macia, e perfumou-se cuidadosamente. Perdeu algum tempo à procura dos boxers certos, era difícil achar alguns decentes no meio daquele caos que era a sua casa de solteiro compulsivo. Avaliou o resultado final no espelho. Realmente o fato tinha um corte perfeito e caía-lhe tão bem, mas o que fazer aquela maldita barriga de cerveja? E aquela falta de cabelo genética, herdada de pai, avô, e sabe-se lá quem mais? De repente sentiu-se envelhecido, pelas longas noites de whisky e solidão, pela dedicação exclusiva à ascensão profissional, e desleixo pessoal.
Passou o dia numa azáfama no trabalho, sempre a controlar as horas, com a ansiedade a queimar-lhe as entranhas, e a barriga encolhida a impedir-lhe a respiração. Passou vários minutos na casa de banho, a dar os últimos retoques e a reunir a coragem que começava a faltar. Chegada a hora, partiu em direcção ao local marcado.
Demorou algum tempo a arranjar lugar para o carro, e quando finalmente parou agarrou o volante com as duas mãos, como se o quisesse levar consigo. Respirou fundo e seguiu para o local marcado, mais uma vez congratulando-se com a boa ideia que tinha sido encontrarem-se ao ar livre.
Rondou a esplanada devagar, e foi fácil dar com ela. Era ainda mais bonita e elegante do que as duas fotos que vira. Tinha um porte e uma postura impressionantes, que emanavam confiança. De repente, sentiu que a sua barriga ficava cada vez maior, como se um barril de cerveja se tivesse materializado lá dentro. As pequenas entradas transformaram-se em gigantescas pistas de aterragem de libelinhas, que ele transportava na cabeça. Como é que ele alguma vez imaginou que uma mulher bonita e interessante como ela se iria interessar por um homem velho e deselegante como ele?
Rodou rapidamente nos calcanhares até voltar à segurança e conforto do seu enorme carro. Voltou para casa e nessa noite ligou-se novamente a um chat na internet, com um nome diferente, nova identidade.
Nunca souberam que eram perfeitos um para o outro.