“A primeira vez? Claro que ainda me lembro da primeira vez. Aliás, se fechar os olhos ainda consigo ouvir o resfolegar dele em cima de mim, sentir o cheiro a mofo da alcatifa da casa velha dum homem sozinho, ver o candeeiro oscilar perigosamente, enquanto a minha cabeça vai batendo ritmicamente na mesa-de-cabeceira. Lembro-me perfeitamente da dor atroz que me perfurava o sexo mal lubrificado, e inundado de sangue quente.
Ele veio-se rapidamente, para alívio meu, e caiu pesadamente em cima de mim, olhando com espanto para a minha cara de dor. «Não gostaste?», perguntou ele, com cara de menino perdido, ferido na sua masculinidade. «Claro que sim.», disse-lhe, mentindo descaradamente. Dava menos trabalho deixá-lo contente, que explicar tudo o que tinha corrido mal. Ele gostava de mim, não tinha culpa de ser velho, de não me agradar, do meu próprio sentimento de culpa me impedir de sentir mais alguma coisa para além da dor.
Levantei-me simulando um sorriso, enquanto pegava nas cuecas e me dirigia para a casa-de-banho imunda. Limpei-me como pude, vesti-me depressa, tentei dar um jeito inútil no cabelo rebelde. Saí para o encontrar já vestido e a apagar minuciosamente todos os traços da nossa estada na casa do amigo. Perguntei-lhe se estava com um ar decente, ele respondeu que não, e eu não pude deixar de sorrir. Eu tinha carinho por aquela figura, pelo desejo avassalador que ele nutria por mim, pela vontade do meu corpo que ele sempre demonstrava. Pelos olhos dele eu sentia-me mulher, apetecível e desejada, e isso seria para sempre o bem mais precioso que ele me dera.
E fora por essa gratidão que me entregara a ele, que lhe dera a virgindade que não valorizava. Ele fora meu condutor na busca de mim mesma, na realização das minhas fantasias mais perversas e obscuras, e também por isso deixara agora de caber na minha vida.
Deixei-o nesse dia, sabendo que tinha sido o último, que a sua missão fora cumprida, que não nos voltaríamos a ver.
Às vezes ainda recordo o cheiro a mofo da carpete, o desconforto das costas nuas de encontro ao chão envelhecido, a sordidez do local, a cara dele, desfigurada pelo prazer de mim. E sorrio, sabendo que nunca mais tive um ar decente.”