quinta-feira, abril 28, 2005
quarta-feira, abril 27, 2005
Volvi
sexta-feira, abril 22, 2005
E Viva España
terça-feira, abril 19, 2005
A Velha das Pipocas
Os cisnes e os patos reais já a reconheciam só pelo andar, e mal a divisavam ao longe, vinham a nadar graciosamente até ela, esperando receber o pão que escapava aos peixes. Cada um deles tinha recebido também um nome, e ela acariciava-lhes suavemente a cabeça enquanto desabafava as novidades dos filhos e dos netos.
Os meninos da escola em frente vinham ter com ela no intervalo grande, esperando ouvir alguma história dos tempos antigos, em que ela vendia balões e pipocas à porta do Jardim Zoológico. Ela sempre adorara crianças, e agora que até os netos já eram quase adultos, vinha matar saudades com estes meninos, sempre ávidos de a ouvir.
Às vezes trazia milho, e isso era o que os miúdos mais adoravam. Ela colocava uns grãos nas suas mãos abertas, e dezenas de pombos rodeavam-nos, alguns pousando nas mãos estendidas que se ofereciam. A principio os meninos tinham medo, retraíam-se e fechavam as mãos, evitando o contacto. Mas com o passar do tempo, habituavam-se ao toque estranho das patinhas, e riam com gosto quando ficavam cobertos de pombos até à cabeça.
E todas essas tardes as crianças ajudavam a mascarar a sua solidão. Os filhos tinham vidas ocupadas, trabalhavam muito para manter um nível de vida confortável, não tinham tempo para perder a conversar com a velha mãe, e ouvir as mesmas histórias repetidas até ao infinito. Os netos estudavam ainda, e ela bem sabia como a faculdade era exigente, despende-se muito tempo na preparação dos exames, e há que estudar muito para se estar pronto para a vida adulta. Não se pode desperdiçar a vida a tomar conta duma velha avó, que ainda por cima fala com patos e pombos.
Por vezes vinham visitá-la, preocupados com a sua saúde. Sugeriam-lhe um lar, dos melhores da cidade, cheio de todas as comodidades, enfermeiras solícitas e ambiente asséptico. Onde não teria de se preocupar com as limpezas da casa, com fazer comida, e onde cuidariam dela com todos os pormenores.
Mas ela dizia sempre que não. Preferia ficar na sua casa, mesmo sozinha, mas onde se sentia ainda livre e senhora da sua vida. Livre para passear por onde quisesse, para alimentar os patos, peixes e pombos do velho jardim do seu bairro, para animar as crianças da escola, e encher as suas vidas de sonhos, com histórias de animais distantes que só podiam ver no Zoo. Ensinar os nomes de cada bicho, de onde vinham, como cada um era importante e especial, tal como cada menino que se cruzava com ela na vida.
E todas as tardes a partir do final do Inverno, eles iam ter com a avozinha, como carinhosamente lhe chamavam, e aprendiam uns com os outros, e preenchiam as suas vidas com o cheiro das pipocas.
sábado, abril 16, 2005
Neura
quarta-feira, abril 13, 2005
Perdi!
O jogo foi bem disputado, os jogadores estão de parabéns, e os vencedores portaram-se à altura. Souberam esconder o jogo nos momentos certos, e jogar as melhores cartadas nas alturas decisivas. Podem congratular-se e levar a taça para casa. Quanto a mim, aperto-lhes as mãos com um sorriso nos lábios. Sou uma Senhora, sei perder, nem tomarão consciência que eu sei que já perdi.
As coisas são como são, não adianta tentar mudá-las, ou sonhar que pelo menos por uma vez poderão ser diferentes. Uma serva nunca poderá ser Rainha, do mesmo modo que um cão nunca será um gato. Não é conformismo, ou pessimismo, é pura Biologia, Genética, mais propriamente.
E tem de ficar definitivamente assente no meu espírito que o meu caminho não é igual ao dos outros, nem tem de o ser. Há com certeza outras coisas guardadas para mim, diferentes das que espero, e por isso não as vejo.
Por isso hoje fecho os olhos, viro-me para dentro, remendo-me mais uma vez. Amanhã acordo novamente em jogo, contra outros competidores, mais parecidos comigo, talvez. Jogadores do meu nível, contra quem eu tenha realmente uma hipótese de ganhar. Amanhã é, definitivamente, um novo dia.
sábado, abril 09, 2005
Ele
Tinha tido algum receio de marcar aquele encontro, e desfazer a magia e o encanto. Mas por outro lado, o corpo tinha já uma urgência de contacto, de toque, cheiro e sabor, que não podia ser ignorada. Fez a barba cuidadosamente, não queria levar nenhum corte inestético, pôs o creme que lhe deixava a pele macia, e perfumou-se cuidadosamente. Perdeu algum tempo à procura dos boxers certos, era difícil achar alguns decentes no meio daquele caos que era a sua casa de solteiro compulsivo. Avaliou o resultado final no espelho. Realmente o fato tinha um corte perfeito e caía-lhe tão bem, mas o que fazer aquela maldita barriga de cerveja? E aquela falta de cabelo genética, herdada de pai, avô, e sabe-se lá quem mais? De repente sentiu-se envelhecido, pelas longas noites de whisky e solidão, pela dedicação exclusiva à ascensão profissional, e desleixo pessoal.
Passou o dia numa azáfama no trabalho, sempre a controlar as horas, com a ansiedade a queimar-lhe as entranhas, e a barriga encolhida a impedir-lhe a respiração. Passou vários minutos na casa de banho, a dar os últimos retoques e a reunir a coragem que começava a faltar. Chegada a hora, partiu em direcção ao local marcado.
Demorou algum tempo a arranjar lugar para o carro, e quando finalmente parou agarrou o volante com as duas mãos, como se o quisesse levar consigo. Respirou fundo e seguiu para o local marcado, mais uma vez congratulando-se com a boa ideia que tinha sido encontrarem-se ao ar livre.
Rondou a esplanada devagar, e foi fácil dar com ela. Era ainda mais bonita e elegante do que as duas fotos que vira. Tinha um porte e uma postura impressionantes, que emanavam confiança. De repente, sentiu que a sua barriga ficava cada vez maior, como se um barril de cerveja se tivesse materializado lá dentro. As pequenas entradas transformaram-se em gigantescas pistas de aterragem de libelinhas, que ele transportava na cabeça. Como é que ele alguma vez imaginou que uma mulher bonita e interessante como ela se iria interessar por um homem velho e deselegante como ele?
Rodou rapidamente nos calcanhares até voltar à segurança e conforto do seu enorme carro. Voltou para casa e nessa noite ligou-se novamente a um chat na internet, com um nome diferente, nova identidade.
Nunca souberam que eram perfeitos um para o outro.
quarta-feira, abril 06, 2005
Ela
Levantou-se com o estômago do tamanho duma ervilha. Estava nervosíssima, sentia-se uma adolescente de novo. Foi para o banho, e não descurou nenhum pormenor. Usou um gel de banho esfoliante, para deixar a pele macia ao toque, e fez a depilação completa, como via nas fotos das meninas da playboy que lhe vinham parar ao mail. Sentia-se ridícula, já não estava habituada a seduzir e ser seduzida, mas agora era tarde demais para voltar atrás. Falavam-se pelo MSN há tanto tempo, e tinha finalmente tido coragem para um encontro. Desde o seu divórcio penoso, depois dum longo casamento, mais penoso ainda, era a primeira vez que se tinha deixado interessar por alguém.
Enquanto passava o creme hidratante no corpo lembrava-se de como se tinham conhecido há largos meses atrás, numa das primeiras vezes que ela tinha visitado um chat da internet. Tinha sido a filha mais nova que a tinha ensinado a mexer naquelas coisas todas, e ainda se atrapalhava com tanta informação, mas já habituara a utilizar aquele meio de informação, comunicação e socialização. Hoje finalmente o virtual ia passar a ser real.
A lingerie tinha sido escolhida com um enorme cuidado, para ser provocante sem roçar o ordinário, e só o facto de a vestir fez logo com que ela se sentisse muito mais sexy e confiante.
Vestiu cuidadosamente aquele fato de saia e casaco que sabia que realçava as suas formas generosas, mas ainda bem cuidadas apesar da idade. Não podia pedir a opinião a ninguém, porque não tinha confidenciado os seus planos para essa noite. Receava que as filhas a tomassem por uma velha tonta, e as colegas achassem que ela estava a ficar senil.
Passou o dia sem se conseguir concentrar no trabalho, alheada, respondendo por monossílabos, olhando para o relógio de cinco em cinco minutos. De vez e quando ia à casa de banho, ajeitar-se em frente ao espelho, retocar a maquilhagem, enquanto se recriminava mentalmente por se sentir novamente a perder o controlo das suas emoções.
À hora que saiu do emprego mandou uma mensagem para o telemóvel a dizer que já ia a caminho. Passou pelo espelho antes para se certificar que tudo estava perfeito, e foi até ao local combinado para o encontro com um enorme aperto no estômago.
Chegou à esplanada onde tinham marcado, porque o calor de Verão convidava a programas ao ar livre. Retirou da mala o livro que carregava sempre e lhe servia de escudo protector, mas não conseguia ler uma linha. Em vez disso perscrutava o espaço em volta, em busca do desconhecido que vira apenas uma vez numa foto ao longe e desfocada.
Os minutos foram passando, lentos, como se os ponteiros de todos os relógios do mundo se tivessem unido contra ela. O telemóvel estrategicamente colocado em cima da mesa permanecia mudo, e ela já tinha fechado o livro, e permanecia agora ansiosa olhando em toda a volta.
O sumo fresco que tinha pedido já tinha acabado, as pessoas nas outras mesas já tinham ido, vindo, e mudado de rosto, e ela começava já a pensar também que não valia a pena continuar à espera. Os minutos já se tinham transformado em horas, e ela começava a sentir a vergonha e a tristeza galgarem-lhe a garganta a uma velocidade frenética. Pagou, levantou-se, aguentou heroicamente a caminhada até ao carro, e quando se sentou ao volante chorou por todas as raivas que tinha guardadas.
Chegada a casa apagou todos os rastos que ele tinha deixado no seu computador, e as marcas na sua vida. Aprendeu a lição.